quinta-feira, 8 de julho de 2010

Residência Arstística - Fortaleza



Algumas horas após o desembarque, uma reunião com a Curadora e a Diretora do Sobrado me fez entender que realmente estava em solo cearense. Mas estar em solo cearense não significa que já estava me sentindo em Fortaleza.

Uma pergunta surgiu:

-Qual é a sua proposta? Pergunta Dodora Guimarães, curadora do Sobrado.

- Vivenciar a cidade. Respondi.

Achei que não seria interessante trazer um trabalho pronto. Preferi produzir a partir da minha relação sensível com o lugar.

Terminada a reunião, segui caminhando pelo centro de Fortaleza, permitindo que meus olhos me conduzissem a imagens que não me eram automatizadas por um olhar cansado de sempre ver a mesma coisa.

A princípio, um sentimento de turista tomou conta de mim. Acho que é a forma mais comum de se perceber uma cidade nova. Olhar os bustos das praças, o nome das ruas, Desembargador isso, Barão daquilo... Semelhanças não tão semelhantes assim.

Dia seguinte peguei um ônibus, algo bem eficiente quando se quer conhecer uma cidade, fazer aquelas belas voltas para se chegar a um lugar cujo caminho poderia ser mais curto.

Foi nesse trajeto que pensei: O que me faria sentir a cidade? Qual a relação mais íntima que posso ter com ela? O que seria um trabalho de residência de um mês?

Pensando nisso, resolvi desenvolver um ciclo de performances que me dessem a possibilidade de me sentir em casa, residindo em Fortaleza.

Pensar em ações que jogassem com os limites do espaço público e do privado rompendo as barreiras que os separam. Uma depilação em canteiro de uma avenida, um banquete numa praça, a encenação e a limpeza de uma aconchegante sala de estar numa calçada da cidade, e alguns detalhes como pôr uma almofada num banco de um ponto de ônibus, criam uma sequência que toca nas dimensões da intimidade do cotidiano e também traz de forma sutil a ideia do cuidado com o espaço que “moramos”.

Usar a cidade como residência foi o ponto de partida para questionar o significado enganosamente simples da palavra “Residir”.

A casa, um abrigo seguro contra ataques de terceiros, perde aqui sua fortaleza. Suas paredes transformam-se numa cortina transparente dando uma ideia de unidade, fundindo os espaços: dentro/fora, proporcionando um questionamento em relação à imagem que criamos quando estamos fora da nossa propriedade.

Será que somos quem somos se alguém está olhando?

A ideia de lar, por outro lado, apresenta uma conotação afetiva pessoal, um lugar de referência de identidade do sujeito: é o espaço que abrimos para receber pessoas queridas. A partir desse sentimento, surgiu a imagem de uma mesa com comida, uma imagem associada tradicionalmente a ideia de família. Lembrei dos momentos ao redor da mesa, da forma boa de compartilhar histórias, das festas de aniversário, dos bolos e suas caldas fascinantes, das gargalhadas e dos sorrisos,. Então pensei em criar um banquete em praça pública na intenção de trazer esses momentos. A ação que denominei de “Entre” traz essa necessidade desse momento familiar, essa alegria de dividir sentimentos, de estar junto.

                                                                                                                              Katalina Leão

Um comentário:

Augusto Henrique disse...

Em “O que separa você de mim”, a jovem artista suscita reflexões entre os habitantes de uma cidade e os espaços urbanos em relação ao cotidiano de um lar. Intimidade, exposição pública, particularidades e gostos pessoais vêm à tona numa série de performances nas áreas públicas de fortaleza.

O expectador tem a oportunidade de sair do seu cotidiano para explorar a vida alheia. Sua forma de ver o mundo se transforma à medida que, observando atos repetitivos do dia-a-dia de um lar como uma simples refeição, uma praça se transforma em um espaço familiar a todos; uma oportunidade para compartilhar uma refeição e pensar que nós é que nos impomos barreiras.

Diferente dos reality shows, as performances buscam mostrar os muros (sociais) que erguemos ao longo da vida. O século XXI se caracteriza pelo crescimento dos núcleos urbanos em detrimento das áreas rurais. A vida simples do interior deu lugar ao corre-corre das grandes cidades. Cada vez mais temos menos espaços e tempo; e dentro dessa prisão que construímos para nós mesmo temos uma falsa impressão do que vem a ser privacidade.

Enfim uma grande ocasião para ver que “o que separa você de mim” está mais relacionado ao modo como pensamos que as coisas deveriam ser do que as coisas em si.